"Fialho de Almeida e Raul Brandão: histórias de palhaços & outros laços de escrita”

Este artigo pretende analisar os vários laços de afinidade entre a escrita de Fialho de Almeida e a de Raul Brandão, entre eles, e para além da amizade que une os dois escritores, uma idêntica desconfiança na razão e na lógica discursiva que levará ambos a uma escrita fragmentária de que serão pioneiros na literatura portuguesa. Há entre estes escritores profundos laços de leituras e de escrita, a paixão comum por Camilo, por Dostoievski e pelos autores nórdicos como Ibsen, Strindberg ou Knut Hamsun, uma idêntica prática do diálogo interartístico, um idêntico olhar, simultaneamente enternecido e dramático, sobre a paisagem e sobre as gentes deixadas na orla da vida e, acima de tudo, um intenso labor sobre a matéria plástica da linguagem. Laços estreitos que fazem de Fialho, como sublinhou Álvaro Manuel Machado, "o grande modelo literário oitocentista português" para o autor de Húmus, laços que determinam a migração de muitas das imagens, motivos ou mesmo personagens da escrita fialhiana para a escrita de Brandão, aí se insinuando como hipotexto fundamental e aí ganhando renovado fulgor. Entre esses laços intertextuais, procurar-se-á chamar a atenção para A Tragédia dum Homem de Génio Obscuro (incluído no segundo volume de Os Gatos, 1890) e a personagem de K. Maurício que Raul Brandão viria a criar em 1894-1895 e a re-criar ao longo do seu trajecto ficcional, em História de um Palhaço (a Vida e o Diário de K. Maurício), de 1896, e A Morte do Palhaço, título sob o qual o livro será reeditado, em 1926.